Friday, October 29, 2010

Videoclip: Radiohead, "All I need"

Falando em organismo.

Videoclip: Gnarls Barkley "Crazy", Rorschach



O vídeo de ontem me fez lembrar "Crazy", do Gnarls Barkley:

Que por sua vez é claramente inspirado no teste de Rorschach. A simetria bilateral tem um "apelo significativo" enorme porque é a simetria dos organismos. O vídeo americano brinca com essa promessa de sentido fazendo com que o instrumento de diagnóstico diga loucuras. O vídeo brasileiro dá à matéria doméstica contemporânea, essencialmente estranha à vida orgânica, uma organização típica do organismo, e o resultado é cômico.

Thursday, October 28, 2010

Compêndio visual doméstico


Vídeo que vale uma tese sobre as matérias, cores, texturas, espaço e corpo de uma certa domesticidade.

Obrigada à Georgia, que me mostrou.

Peso e saúde: ódio

Notícia publicada ontem dá conta de que estudantes universitários agarraram e montaram moças obesas durante jogos interfaculdades. Chamaram isso de "rodeio de gordas". A universidade, na pessoa do reitor, disse que vai estudar medidas disciplinares mas não abrirá um "processo inquisitório". Outra notícia diz que a promotoria de Araraquara vai apurar o acontecido.

É um sinal de que esse ódio contra os gordos não é miragem. Ódio do diferente que ameaça a identidade não é coisa nova. Outra raça, outro credo, outra prática sexual. Mas por que agora o gordo ameaça? Vou direto ao que me parece ser o ponto: hoje o poder "passa" pelo corpo, dizia Foucault. Não é que as práticas de poder terminam por moldar o corpo e as práticas corporais, mas que o poder incide diretamente sobre o corpo.

Hoje, digamos nós, também da disciplina caracterizada por Foucault se prescinde. Se a escola, a prisão e a fábrica escapam da órbita do Estado para disciplinar por meio de regulamentos todos os atos físicos - quantas horas se dorme, que horas se acorda, portanto o quanto se sonha e lembra dos sonhos, etc., etc. - hoje-hoje a sociedade de consumo do novo trabalho deixa que os sujeitos se tornem também os disciplinadores de si (pois já não viraram os empreendedores da própria vida?).

Não é preciso ter consciência. Aliás, quanto menos consciência, melhor. Não é bom refletir. O poder incide diretamente sobre o corpo significa que ele prescinde também das palavras em que a regra e a resistência se formulariam. Basta a palavra-slogan.

Não é preciso haver imagens no sentido forte, ou seja, imagens de algo. Aliás, é preciso justamente que os sujeitos creiam nas imagens tanto mais fortemente quanto menos elas guardem relação com algo real. Donde as imagens-leis, enunciadas pelo photoshop.

A crítica fundada na psicanálise explica que há uma regressão geral ao imaginário. Como se o domínio simbólico, da lei e da palavra, tivesse deixado de existir. Evidentemente, não deixou. Nós é que o negamos, sabendo que ele existe. Nós é que achamos que pode haver lei e, ao mesmo tempo, aquilo que a infringe, mas sem punição: o rapaz que organizou o rodeio o chama de "brincadeira". O que ele fez, ele sabe que é errado. Deixa de ser se se põe no espaço onde não vale a lei porque não se faz nada a sério. Ali, violência passa a chamar brincadeira.

No debate mundial esse regime de vale-mas-não-vale chama cinismo ou perversão. No Brasil, o país da escravatura gentil e assassina, tudo isso caiu como uma luva. É o país do futuro. A vanguarda da barbárie.

Mas voltando à big picture: uma indústria alimentícia fundada num regime fundiário concentrador impõe à população mundial um regime alimentar que leva à obesidade. Não é à toa que o relatório das Nações Unidas sobre a epidemia de obesidade levou, desde o começo da década, a uma pesquisa conjunta entre a parte da organização que cuida de saúde e aquela que cuida da agricultura. É óbvio, mas sempre esquecido, que nossa alimentação é um resultado direto da organização global da agricultura.

Uma palavra sobre esse "impõe" do parágrafo anterior: parece que os indivíduos escolhem comer pizza e não comer salada e que, portanto, se são gordos é porque escolhem sê-lo. Concordo que cada vez que alguém põe algo no prato há escolha, mas é uma ingenuidade sem tamanho achar que essa escolha é livre, que a pizza e a salada têm diante do sujeito as mesmas chances. E não estou falando do instinto que nos faz preferir gordura - um dispositivo biológico que não tem a última, mas a primeira palavra.

Estou falando do contexto da escolha que envolve um sujeito exausto, frustrado, entediado, sedentário, emburrecido, deprimido - nenhuma dessas coisas por escolha própria - que tem de escolher entre uma pizza que ecoa todas essas emoções, vem numa caixa colorida e não implica nenhum trabalho e nenhum contato com a matéria viva, e um monte de ingredientes que têm de ser escolhidos, comprados com frequência, lavados, misturados... ou seja entre uma comida que harmoniza com o tédio, o ódio, o amortecimento e regressão da sensibilidade e outra que exige algo de nós, escolha, trabalho, refinamento do paladar, paz mental... e não dá o prazer imediato e fácil da gordura.

E nem é preciso na verdade que o sujeito esteja exausto etc., basta que seus pais tenham estado para que se forme um hábito alimentar difícil de mudar. E se todos comem assim à sua volta, como é que você vai mudar? De onde vai tirar forças pra fazer diferente na sociedade do consenso absoluto?

O contexto da escolha não tem a ver com a organização mundial da agricultura nem com a indústria alimentícia. Acho que tem a ver com o novo trabalho. O trabalho pós-fabril, o telemarketing, o neo-taylorismo. Mas por hoje chega.

Sunday, October 24, 2010

Comer melhor: salada

Muita gente diz que gostaria de comer melhor mas não tem tempo. Cronometrei: de abrir a porta da geladeira à salada para duas pessoas em 10 minutos e 30 segundos, com mesa posta e utensílios limpos. Pô, dá pra fazer!


O truque é que a alface já estava lavada e desinfetada. Mas alface não é super estritamente necessária, certo? Então dá pra fazer mesmo sem truque nem raladores japoneses (que valem a pena -aquele troço de plástico com uns dentinhos? é pra dar bode de ralar cenoura pra sempre).


Peguei tudo que ia precisar na geladeira e no armário. Na foto falta a saladeira.

Com o ralador bege fiz tirinhas de repolho roxo. Pus na saladeira, com água e vinagre, marquei 10 minutos no relógio. Lavei o tomate, joguei na água também. (Botei a água e as salsichas no fogo - para o ovo, ponha só a água numa panelinha tampada que ferve mais rápido.)

Lavei a cenoura e raspei a casca. Ralei com o outro ralador, porque prefiro as tirinhas que ele faz, separei. Lavei os dois raladores (só com água e escova, que não tem gordura). Piquei o tomate, tirando as sementes. Piquei a alface.

Enquanto eu fazia isso deu tempo da salsicha cozinhar - o ovo demoraria 3 minutos, acho que daria até o fim dos dez. Botei o prato, garfo e faca, misturei suco de uva com água, peguei o molho de mostarda e mel que já estava pronto na geladeira.

Escorri o repolho e misturei o resto. Com as mãos triturei umas quatro nozes. Pronto.


Dez minutos e trinta segundos, salada pronta, suco pronto, mesa posta. Sem brincar de corrida maluca. Uma salada mais simples (só cenoura, repolho e umas uvas passas ou nozes, só alface,tomate e pepino, por exemplo) seria mais rápida - e daria pra fazer uma omelete com queijo, talvez, certamente duas torradas no forninho pra comer com queijo. Se eu tivesse lavado quatro folhas de alface, seria um pouco mais demorada.

Ah! também deu tempo de tirar essas fotos.

Saturday, October 23, 2010

Peso e saúde, the big picture

No site da Organização Mundial da Saúde a gente acha esse mapinha,

que permite pesquisar dados sobre peso de diversas populações.

Lá se aprende que 32,2% dos americanos estão com sobrepeso (têm IMC entre 25 e 29,99) e quase 34% estão obesos (IMC igual ou maior que 30). Ou seja, dois terços da população está gorda ou morbidamente gorda. 35,7% têm peso normal e 2,4% estão abaixo do normal. Engraçado que somando esses números não dá 100. Hm.

No Brasil 29,5% da população estão com sobrepeso e 11,1% obesos. Isso quer dizer que 40% das pessoas estão fora do normal. 55,4% da população têm peso normal e 4% estão abaixo do peso.

O mais interessante é que o mapa dá uma noção da escala mundial do problema. Não são só os Estados Unidos, é todo o mundo desenvolvido que está gordo, muito gordo. Não é só o Brasil, são todos os países em desenvolvimento que estão engordando. Como continuar acreditando que a responsabilidade é só ou mesmo preponderantemente dos indivíduos? Como, então, acreditar que campanhas que buscam mudar os padrões de escolha vão dar conta do recado?

Peso e saúde, medo

Para além da superficialidade das campanhas, pensemos. Óbvio que onipresença de imagens de mulheres irrealmente perfeitas e a propagação desse ideal no cotidiano pela "conversa gorda" não são os únicos fatores provocando a escalada de neurose e distúrbios alimentares. Ainda que fossem, seria preciso pensar porque essas imagens e conversas são tão poderosas.


O que se passa, penso eu, é que a epidemia de sofrimento alimentar (neuras + distúrbios) é o complemento da epidemia de obesidade que é, ela mesma, um fenômeno complexo. Fica cada vez mais difícil não ser obeso (quer dizer, morbidamente gordo), daí as pessoas com peso normal e, mais compreensivelmente, aquelas que têm dificuldade para se manter assim estigmatizam os obesos e procuram se diferenciar radicalmente deles. O temor saudável que leva a comportamentos que evitam a doença se transforma, uma vez perdida a conexão com o real, em pavor, fobia irracional que precipita sofrimento, doença e, não esqueçamos, agressividade.

E o que é o real que a gente não deve perder de vista? OBESIDADE É UM PROBLEMA DE SAÚDE CAUSADO POR FATORES QUE VÃO MUITO ALÉM DAS ESCOLHAS INDIVIDUAIS. Pensar o contrário é típico do pior protestantismo: se você é pobre ou gordo, é porque não tem capacidade ou força de vontade. Eu tenho, complementa o(a) acusador(a), ah, eu tenho que ter.

A foto veio daqui.

Friday, October 22, 2010

Peso X saúde


Fat talk free week é o nome de uma campanha contra a "conversa gorda", assim numa tradução tosca, ou conversa sobre gordura. É aquela lenga-lenga: "que bonita que você está, emagreceu?", "nossa, ela tá parecendo um colchão amarrado naquela roupa". Beleza=magreza, feiúra=gordura. Então, a proposta é parar com isso, cortar essa associação. O pressuposto, vão dizer, é o mesmo do politicamente correto: o que não se diz, não se pensa. E todo mundo sabe que não é preciso dizer pra pensar ou sentir, e nem tudo que a gente diz corresponde ao que a gente de fato pensa ou sente. Mas nesse caso eu acho válido, pelo menos como ponto de partida. Porque não se trata afinal de propaganda e contra-propaganda?

O vídeo, cujo tom super americano pra falar a verdade me incomoda, vale a pena pelo menos pelas estatísticas. Aqui, pelo menos pra mim, elas ajudam a tornar mais concreta a sensação cotidiana de que tem alguma coisa muito errada na cabeça das mulheres. Pra quem não sabe inglês ou simplesmente gostaria de contemplar com calma:
- 54% das americanas que esses caras entrevistaram prefeririam bater com um caminhão a serem gordas;
- 81% das crianças de 10 anos têm medo de ser gordas;
- 67% das mulheres entre 15 e 64 anos já se abstiveram de participar de atividades sociais (como dar uma opinião, ir à escola, ir ao médico) por não se sentirem bem quanto à aparência;
- 10 milhões de americanas sofrem de anorexia ou bulimia;
- as modelos estão numa faixa de magreza que inclui apenas 2% da população;
- se os manequins de loja fossem reais, seriam magras demais para ter filhos.

Thursday, October 21, 2010

A incrível língua brasileira

Versões pitorescas de "A necessidade é a mãe da invenção":
"É a necessidade que faz o galo cantar." "Galo apertado é que canta."
"É a necessidade que faz o sapo pular."

Porque, como se sabe, "camarão que dorme a onda leva".

E, finalmente, se diz "a batata do fulano está assando". Isso quer dizer que ele está fazendo alguma coisa que está deixando outra(s) pessoa(s) "aborrecida(s)", e a reação não vai demorar, embora ele ache que ninguém está percebendo ou achando ruim.

Wednesday, October 20, 2010

São Sebastião das Águas Claras, Macacos, casas

Essa é a igreja de São Sebastião. Vai só um detalhezinho, que foto de igrejinha de Minas é o que não falta nesse mundo.

Muitas casas são abaixo do nível da calçada. Não sei por quê.

Essa, cor de rosa, estava perdida lá no mato.

Dessa, gostei dos paninhos bordados sobre as meias-cortinas.

Esse diz: "No alto daquela serra tem um velho gaioleiro, quando vê moça bonita faz gaiola sem puleiro".

E os paninhos estampados de janela parecem ser uma tradição levada adiante do jeito que dá.





São Sebastião das Águas Claras, Macacos

Dois nomes de uma vila perto de BH onde o pessoal da capital vai se divertir de fim de semana, pelo que vi principalmente comendo e bebendo, ou praticando motocross.







Thursday, October 14, 2010

Museu de Arte da Pampulha, Paulo Bruscky

O intento era conhecer o tal conjunto arquitetônico da Pampulha. Sem querer, peguei a exposição de Paulo Bruscky no penúltimo dia. Sorte.

Primeiro, o museu. Originalmente um cassino, parte do conjunto projetado por Niemeyer entre 1940 (segundo o texto no Vitruvius) ou 1942 (segundo a Enciclopédia de artes visuais) e 44 por encomenda de Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte. Os outros edifícios eram um iate clube, um salão de danças, uma igreja e um hotel.

O cassino foi o primeiro a ficar pronto (o hotel nunca ficou, o conjunto foi inaugurado em 43). Na wiki há uma citação do Niemeyer dizendo que o projetou em uma noite e que ele funcionava bem para a burguesia se exibir. Um senhor belohorizontino me contou que muita gente cometeu suicídio nos jardins de Burle Marx, depois de perder tudo (inclusive a mulher). Daí, em 1946, o jogo foi proibido. Em 1957 o prédio passou a ser museu. Sem ter isso em mente a gente estranha os revestimentos de aço e mármore e a parede de espelhos - se fossem originalmente para um museu, seriam um momento super pós-moderno do Niemeyer - e a salinha de espelhos no banheiro das mulheres.





Agora, a exposição do Paulo Bruscky. Nessa foto aí não dá pra ler, mas depois da linha amarela está escrito: "Cuidado com o vão entre o trem e a palavra".






Gostei muito das vitrines para exposição da arte postal.

Não fazia muito sentido tirar fotos das obras, mas a essas eu não resisti. A ideia da composição pela disposição de elementos repetidos (pedrinhas, carimbos) numa grade ou noutro suporte que funciona como uma ordem fixa (como os formulários dos correios) ao invés de ter um tom super conceitual, tipo serialismo em alemão, é ora divertida ora sinistra. Frequentemente as duas coisas.


No teto, "arte em todos os sentidos".



Tuesday, October 12, 2010

llha do Mangabal

Fica na Represa de Três Marias, um corpo d'água tão gigantesco que deu pra ver do avião no caminho de Brasília. Naquela época eu não imaginava que não ia apenas saber o que tinha visto, mas também mergulhar ali.
A represa, segundo a pesquisinha-relâmpago básica, foi construída no governo JK como parte do projeto modernizador que incluiu Brasília e a BR040 (que liga Brasília ao Rio de Janeiro). Ficou pronta em 61 ou 62 (diferentes sites, diferentes datas). É um reservatório do São Francisco e fornece parte da energia de Minas.
O nível da água está muito baixo, as margens recuaram e deu pra ver os troncos da vegetação original, submersa pela construção da represa.