O artigo é longo e fiz alguns saltos, indicados à maneira costumeira "(...)", o maior na primeira página, que é basicamente uma introdução.
Pus uns títulos para indicar o assunto de cada seção, em itálico. Entre [ ] estão meus acréscimos ou dúvidas.
Na primeira página, o autor, Gary Taubes, apresenta Robert Lustig, um especialista em obesidade infantil da Faculdade de Medicina de São Francisco, Universidade da Califórnia. Lustig compilou, segundo Taubes, dados que mostrariam que o açúcar - mais exatamente, a frutose altamente purificada e concentrada - é uma substância tóxica, principal responsável pelas doenças da chamada dieta ocidental, obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e alguns cânceres.
O que é açúcar
"... vamos começar esclarecendo alguns tópicos, a começar
pelo uso que Lustig faz da palavra "açúcar" para designar ambos a
sacarose – açúcar de cana e de beterraba, branco ou marrom [mascavo, demerara] –
e xarope de milho com alto teor de frutose.
Esse é um ponto crítico, particularmente porque o xarope de milho com alto teor
de frutose realmente se tornou "o detonador da desconfiança geral em
relação aos alimentos processados", diz Marion Nestle, uma nutricionista
da Universidade de Nova Iorque e autora de Food Politics [Política da comida].
Essa mudança é recente e beira a comédia. No começo dos anos
1980, o xarope de milho com alto teor de frutose substituiu o açúcar em
refrigerantes e outros produtos, em parte porque o açúcar refinado tinha então
a reputação de ser um nutriente nocivo. (...) O xarope de milho era apresentado
pela indústria alimentícia como uma alternativa saudável, e o público acreditou.
Também era mais barato que açúcar, o que não era nada mau do ponto de vista
comercial. Agora a maré está indo em sentido contrário, e o açúcar está
reaparecendo comercialmente como uma alternativa supostamente alternativa ao
nocivo xarope de milho. "As empresas estão substituindo seus produtos por
versões com sacarose e fazendo publicidade destas como produtos "sem
xarope de milho com alto teor de frutose", nota Nestle.
Mas deixando de lado o marketing os dois edulcorantes são
efetivamente idênticos em seus efeitos biológicos. (...)
O açúcar refinado (isto é, a sacarose) é formado por uma molécula
do carboidrato glicose ligada à uma
molécula do carboidrato frutose – uma mistura 50/50 das duas. A frutose, que é
quase duas vezes mais doce que a glicose, é o que diferencia o açúcar das
outras comidas ricas em carboidratos (como o pão ou batatas), que se quebram na
digestão formando só glicose. Quanto mais frutose houver numa substância, mais
doce ela será. O xarope de milho, na forma mais comum, é 55% frutose, e os 45%
restantes são quase todos glicose. Começou a ser comercializado no fim dos anos
1970 e foi criado para ser indiscernível do açúcar refinado quando usado em
refrigerantes. Como cada um desses açúcares termina virando glicose e frutose
em nosso trato digestivo, nossos corpos reagem da mesma maneira a ambos, e os
efeitos fisiológicos são idênticos. Numa revisão de 2010 da literatura, Luc
Tappy, um pesquisador da Universidade de Lausanne na Suíça, considerado pelos
bioquímicos que estudam frutose uma das mais eminentes autoridades no assunto,
disse que "não há o menor indício" de que o xarope de milho seja mais
deletério que qualquer outra fonte de açúcar.
A questão, portanto, não é se o xarope de milho é pior que
açúcar, mas o que eles fazem conosco e como. Há muito tempo o ponto de vista
tradicional é que o pior que se pode dizer sobre açúcares de qualquer tipo é
que eles causam cáries e representam "calorias vazias" que comemos em
excesso porque tem um gosto muito bom.
Segundo essa lógica, bebidas adoçadas com açúcar fazem mal
não porque haja alguma coisa particularmente tóxica no açúcar que elas têm mas
só porque as pessoas bebem demais delas.
As organizações que aconselham a diminuir a ingestão de
açúcar – o Departamento de Agricultura, por exemplo, no recente Guia dietético
para os americanos, ou a Associação Americana do Coração no guia lançado em
setembro de 2009 (do qual Lustig é co-autor) – o fazem por esse motivo. O
açúcar refinado e o xarope de milho não têm nenhuma proteína, vitaminas,
minerais, antioxidantes ou fibra, e assim eles tomam o lugar de outros
elementos mais nutritivos da nossa dieta ou são consumidos em quantidade maior
do que a necessária para manter o nosso peso – e é por isso que engordamos.
Se o argumento das calorias vazias é verdade ou não,
certamente ele é conveniente. Ele permite que coloquemos a culpa pela obesidade
e, por extensão, pelo diabetes – duas condições tão intimamente relacionadas
que algumas autoridades passaram a chamá-las de "diabesidade" – à
sobreingestão de todas as comidas, ou à falta de exercícios, porque uma caloria
é uma caloria. (...)
Como ele é
metabolizado
O argumento de Lustig, no entanto, [é]... que o açúcar tem
características únicas, especificamente no modo como o corpo humano metaboliza
a frutose dele, que podem torná-lo singularmente prejudicial, ao menos se
consumido em quantidades suficientes.
A expressão que Lustig usa quando descreve esse conceito é
"isocalórico mas não isometabólico". Isso significa que podemos comer
100 calorias de glicose (de uma batata ou outro amido) ou 100 calorias de
açúcar (metade glicose e metade frutose) e elas serão metabolizadas
diferentemente e terão um efeito diferente no corpo. As calorias são as mesmas,
mas as consequências metabólicas são bastante diferentes.
A frutose que compõe o açúcar e o xarope de milho é
metabolizada primariamente pelo fígado, enquanto a glicose do açúcar e amidos é
metabolizada em cada célula do corpo. Consumir açúcar (frutose e glicose)
significa mais trabalho para o fígado do que consumir o mesmo número de
calorias de amido (glicose). E se fosse ingere o açúcar na forma líquida –
refrigerantes ou sucos de fruta – a frutose e a glicose chegam ao fígado mais
rapidamente que se você os ingere, digamos, numa maçã (ou várias, para chegar
ao que os pesquisadores chamariam de uma dose equivalente de açúcar). A
velocidade com que o fígado tem que fazer o trabalho também afeta a maneira
como ele metaboliza a frutose e a glicose.
Em animais, ou ao menos em ratos e camundongos de
laboratório, é claro que se a frutose atinge o fígado em quantidade e
velocidade suficientes, o fígado converte muito dela em gordura. Isso
aparentemente induz uma condição conhecida como resistência à insulina, que é
considerada atualmente como o problema fundamental na obesidade e o defeito
subjacente à doença cardíaca e à diabetes tipo 2, comum em pessoas obesas e com
sobrepeso. Pode ser também o defeito subjacente a muitos cânceres.
Se o que acontece em roedores de laboratório também acontece
em humanos, e se estamos comendo açúcar suficiente para fazer isso acontecer,
então estamos com problemas.
O que dizem as
autoridades sobre o consumo de açúcar
A última vez que uma agência do governo federal examinou em
algum detalhe a questão do açúcar e da saúde foi em 2005, num relatório do
Instituto de Medicina, um ramo da Academia Nacional. Os autores do relatório
reconheceram que há evidência abundante de que o açúcar pode aumentar o risco
de doença cardíaca e diabetes – até aumentando o colesterol LDL, conhecido como
"mau colesterol" – mas não consideraram que os resultados eram
definitivos. Havia bastante ambiguidade, eles concluíram, e não puderam nem
mesmo estabelecer um limite superior para quanto açúcar é demais. Referindo-se
ao relatório de 2005, um relatório do Instituto de Medicina divulgado no último
outono reiterou que "há falta de acordo científico sobre a quantidade de
açúcar que pode ser consumida numa dieta saudável". Essa foi a mesma
conclusão a que o FDA chegou quando avaliou pela última vez a questão do
açúcar, em 1986. O relatório do FDA foi percebido como uma exoneração do açúcar
e essa percepção influenciou o tratamento do açúcar em relatórios importantes
sobre dieta e saúde que se seguiram.
(...)
Quando Glinsmann e os co-autores do relatório do FDA
decidiram que nenhuma evidência conclusiva demonstrava que os níveis de açúcar
então consumidos eram nocivos, eles estimaram aqueles níveis em 40 libras por
pessoa por ano [pouco mais de 18 quilos], além do que se pode obter
naturalmente de frutas e vegetais – 40 libras de açúcares adicionados como os
nutricionistas hoje os chamam. Essas 200 calorias por dia de açúcar, que é
menos do que há numa lata de meia de Cola Cola ou dois copos de suco de maçã.
Se fosse isso mesmo que consumimos, a maior parte dos nutricionistas, Lustig
inclusive, estariam hoje em transe.
Mas 40 libras por ano são, de fato, 35 libras a menos do que
os analistas do Departamento de Agricultura diziam que estávamos consumindo
naquela época – 75 libras por pessoa por ano [34 quilos] – e as estimativas do
DA são tipicamente consideradas mais confiáveis. No início dos anos 200, de acordo
com o DA, tínhamos aumentado nosso consumo para mais de 90 libras [quase 40
quilos] por pessoa por ano.
O fato de que esse aumento justamente coincide com a atual
epidemia de obesidade e diabetes é uma razão pela qual é tentador culpar os
açúcares – a sacarose e o xarope de milho com alto teor de frutose – pelo
problema. Em 1980, aproximadamente um em cada sete americanos estava obeso, e
quase seis milhões eram diabéticos, e os índices de obesidade, pelo menos, não
tinham se modificado significativamente nos 20 anos anteriores. No começo dos
2000, quando o consumo de açúcar disparou, um em cada três americanos estava
obeso e 14 milhões, diabéticos.
Essa correlação entre o consumo de açúcar e diabetes é o que
os advogados de defesa chamam de prova circunstancial. É mais convincente do
que seria noutro contexto, no entanto, porque a última vez que houve um aumento
do consumo de açúcar significativamente neste país [os Estados Unidos], ele
também foi associado a uma epidemia de diabetes.
Debate científico
No começo dos anos 2000, muitas das principais autoridades
em diabetes na América do Norte e Europa (incluindo Frederick Banting, que em
1923 dividiu o prêmio Nobel pela descoberta da insulina) suspeitavam que o
açúcar causa diabetes com base na observação de que a doença era rara em
populações que não consumiam açúcar refinado e disseminada naquelas que o
faziam. Em 1924, Haven Emerson, diretor do instituto de saúde pública [em
letras minúsculas no original] da Universidade de Colúmbia, relatou que as mortes
por diabetes na cidade de Nova Iorque tinham aumentado 15 vezes desde a Guerra
Civil, 4 vezes em algumas cidades americanas só entre 1900 e 1920. Isso
coincidira, ele notou, com um aumento igualmente significativo do consumo de
açúcar – que quase dobrara de 1890 até o começo dos 1920 – com o nascimento e
subsequente crescimento das indústrias de doces e refrigerantes.
O argumento de Emerson foi combatido por Elliott Joslin, uma
autoridade em diabetes, e Joslin acabou vencendo. Mas seu argumento era fundamentalmente
falho. Simplificando, era o seguinte: os japoneses comem muito arroz, e os
diabéticos japoneses são raros; arroz é basicamente carboidrato, o que sugere
que o açúcar, também um carboidrato, não causa diabetes. Mas açúcar e arroz não
são idênticos só porque são ambos carboidratos. Joslin não podia saber naquela
época que a frutose do açúcar afeta a maneira como o metabolizamos.
Joslin também não sabia que os japoneses comem pouco açúcar.
No começo dos anos 1960, os japoneses comiam tão pouco açúcar quanto os
americanos um século antes, talvez ainda menos, o que significa que a
experiência japonesa não poderia ter sido usada para validar a ideia de que o
açúcar causa diabetes. Ainda assim, como Joslin argumentou edição após edição
da sua obra seminal que o açúcar não desempenhava papel algum na diabetes, isso
eventualmente ganhou a aura de verdade indiscutível.
Até Lustig aparecer, a última vez que um estudioso avançou
decididamente a tese do açúcar ser uma toxina foi nos anos 1970, quando John
Yudkin, uma autoridade em nutrição no Reino Unido, publicou uma polêmica em
torno do açúcar chamada "Doce e perigoso". Durante os anos 1960,
Yudkin fez uma série de experimentos alimentando com açúcar e amido roedores,
galinhas, coelhos, porcos e estudantes universitários. Ele descobriu que o
açúcar invariavelmente aumentava os níveis sanguíneos de triglicerídeos (um
termo técnico para gordura), que eram considerados então, como hoje, um fator
de risco para doença cardíaca. O açúcar também aumentava os níveis de insulina
nos experimentos de Yudkin, o que o ligava diretamente ao diabetes tipo 2.
Poucos na comunidade médica levaram as ideias de Yudkin a sério, em grande
medida porque ele também defendia que a gordura ingerida na dieta e a gordura
saturada eram inofensivas. Isso colocou a hipótese de Yudkin sobre o açúcar em
oposição direta ao consenso crescente sobre a ideia, ainda hoje bem aceita, de
que a gordura da dieta era a causa de doenças cardíacas, uma noção defendida
pelo nutricionista da Universidade de Minnesota Ancel Keys.
Um pressuposto comum naquela época era que se uma das
hipóteses estava certa, a outra estava provavelmente errada. Ou a gordura
causava doença cardíaca por meio do aumento de colesterol, ou o açúcar a
causava aumentando os triglicerídeos. (...)
Naquela época, muitas das observações-chave citadas para
defender que a gordura ingerida na dieta causava doença cardíaca na verdade
também apoiam a teoria do açúcar. Durante a Guerra da Coréia, patologistas que
autopsiavam soldados americanos mortos em batalha notaram que muitos tinham
placas significativas em suas artérias, mesmo aqueles que ainda eram
adolescentes, enquanto os coreanos mortos em batalha não as tinham. As placas
arteroscleróticas nos americanos foram atribuídas ao fato de que eles tinham
uma dieta rica em gordura, enquanto a dos coreanos era pobre em gordura. Mas os
americanos também tinham uma dieta rica em açúcar, enquanto os coreanos, como
os japoneses, não.
Em 1970, Keys publicou os resultados de um importante estudo
em nutrição conhecido como o Estudo dos Sete Países. Seus resultados foram
percebidos pela comunidade médica e pelo público em geral como evidência
convincente de que o consumo de gorduras saturadas na dieta é o melhor índice
para prever doença cardíaca. Mas o consumo de açúcar nos sete países estudados
era quase tão bom para isso. De modo que é possível que Yudkin estivesse certo,
e Keys, errado, ou que ambos estivessem certos. A evidência sempre podia ter
sido usada de um jeito ou de outro.
Os médicos europeus tenderam a se alinhar a Yudkin; os
americanos, a Keys.(...)
No fim dos 1970, qualquer cientista que estudasse os
potencias efeitos deletérios do açúcar ingerido na dieta, de acordo com o
doutor Sheldon Reiser, que fazia exatamente isso no laboratório do Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos em Beltsville, e falasse publicamente a
respeito estava colocando sua reputação em risco. "Yudkin foi tão desacreditado",
Reiser me disse. "Ele era de certo modo ridicularizado. E se alguém
dissesse alguma coisa negativa sobre a sacarose, eles diziam 'Ele é como o
Yudkin'".
A síndrome metabólica
O que mudou desde então, senão que os americanos estão
ficando mais gordos e diabéticos? Não é que os pesquisadores tenham aprendido
algo particularmente novo sobre os efeitos do açúcar ou do xarope de milho
sobre o corpo humano. Foi antes o contexto da ciência que mudou: médicos e
autoridades médicas aceitaram a ideia de que uma condição conhecida como
síndrome metabólica é um grande, senão o maior, fator de risco para a doença
cardíaca e o diabetes. Os Centros para controle e prevenção de doenças estimam
que algo em torno de 75 milhões de americanos têm síndrome metabólica. Para
aqueles que têm ataques cardíacos, a síndrome metabólica é provavelmente a
razão.
O primeiro sintoma que os médicos são ensinados a procurar
para diagnosticar a síndrome metabólica é uma cintura em expansão. Isso
significa que se você está com sobrepeso, há uma boa chance de ter síndrome
metabólica, e é por isso que você também tem mais chances de ter um ataque
cardíaco ou se tornar diabético (ou ambos) do que alguém que não está acima do
peso. Embora indivíduos magros também possam ter a síndrome metabólica, e eles
têm então maiores chances de ter doenças cardíacas e diabetes que indivíduos
magros sem a síndrome.
Síndrome metabólica é uma outra forma de dizer que as
células do seu corpo estão ativamente ignorando a ação do hormônio insulina –
uma condição conhecida tecnicamente como resistência à insulina. Como a
resistência à insulina e a síndrome metabólica recebem surpreendentemente pouca
atenção da mídia (certamente se comparadas ao colesterol), deixe-me explicar o
básico.
Você secreta insulina em resposta aos alimentos que come –
particularmente aos carboidratos – para manter o açúcar sanguíneo sob controle
após uma refeição. Quando suas células são resistentes à insulina, seu corpo
(seu pâncreas, para ser preciso), responde ao aumento do nível de açúcar no
sangue bombeando cada vez mais insulina. Eventualmente o pâncreas não consegue
mais acompanhar a demanda ou entra numa condição que os diabetologistas chamam
de "exaustão pancreática". Agora o nível de açúcar no seu sangue vai
subir sem controle, e você tem diabetes.
Nem todas as pessoas com resistência à insulina se tornam
diabéticas; algumas continuam a secretar insulina suficiente para vencer a
resistência de suas células ao hormônio. Mas ter níveis cronicamente altos de
insulina tem efeitos prejudiciais por si – doença cardíaca, por exemplo. O resultado
são níveis mais altos de triglicérides e pressão sanguínea, níveis mais baixos
de colesterol HDL (o bom colesterol), que pioram a resistência à insulina –
isso é síndrome metabólica.
Quando os médicos avaliam seu risco de doença cardíaca hoje,
eles consideram seu colesterol LDL (o tipo ruim), mas também esses sintomas de
síndrome metabólica. A ideia, de acordo com Scott Grundy, nutricionista do
Centro médico da Universidade do sudoeste do Texas e presidente do painel que
produziu a última edição do guia do Programa nacional de educação sobre
colesterol, é que os ataques cardíacos de 50 anos atrás podem ter sido causados
por colesterol alto – particularmente colesterol LDL alto – mas desde então
ficamos mais gordos e diabéticos, e agora é a síndrome metabólica o problema
mais notável.
O que levanta duas questões óbvias. A primeira, o que causa
a síndrome metabólica, em primeiro lugar, o que é outra maneira de perguntar, o
que causa a resistência à insulina? Há várias hipóteses, mas pesquisadores que
estudam os mecanismos da resistência à insulina acham agora que uma causa
provável é o acúmulo de gordura no fígado. Nos estudos feitos para tentar
responder à questão em humanos, diz Varman Samuel, que estuda resistência à
insulina na Escola de medicina de Yale, a correlação entre gordura no fígado e
resistência à insulina em pacientes gordos ou magros é "notavelmente
forte". O que parece, diz Samuel, é que "quando você deposita gordura
no fígado, torna-se resistente à insulina".
O que levanta a outra questão óbvia: o que leva o fígado a
acumular gordura em humanos? Uma suposição
é que simplesmente engordar leva a
um fígado gordo, mas isso não explica o mesmo fígado gordo em pessoas magras. Algo
poderia ser atribuído a predisposição genética. Mas, voltando a Lustig, também
há a possibilidade bem real de que o açúcar seja a causa.
Ligação entre síndrome
metabólica e açúcar
Acontece que a síndrome metabólica e a resistência à
insulina são as razões pelas quais muitos dos pesquisadores que hoje estudam a
frutose passaram a se interessar pelo assunto. Se você quer causar resistência
à insulina em ratos de laboratório, diz Gerald Reaven, o diabetologista da
Universidade de Stanford que realizou muito do trabalho pioneiro sobre o
assunto, alimentá-los sobretudo com frutose é um jeito fácil de fazê-lo. É um
efeito "muito óbvio, muito dramático", diz Reaven.
Mas no começo dos anos 2000, pesquisadores que estudavam o
metabolismo da frutose haviam estabelecido certos achados de forma unívoca e
tinham explicações bioquímicas sólidas para o que estava acontecendo. Alimente animais
com frutose pura ou açúcar em quantidade suficiente e os fígados deles
convertem a frutose em gordura – o ácido saturado graxo, palmitato, para ser
exato, que supostamente causa doença cardíaca quando o comemos, elevando o
colesterol LDL. A gordura se acumula no fígado, e seguem-se a resistência à
insulina e a síndrome metabólica.
Efeitos similares podem ser demonstrados em seres humanos,
embora os pesquisadores que fazem esse trabalho tipicamente façam estudos só
com frutose – como Luc Tappy fez na Suíça ou Peter Havel e Kimber Stanhope na
Universidade da Califórnia, Davis – e frutose pura não é o mesmo que açúcar ou
xarope de milho com alto teor de frutose. Quando Tappy alimentou seus sujeitos
humanos com o equivalente em frutose a 8 a 10 latas de Coca ou Pepsi por dia –
uma "dose bastante alta", ele diz – seus fígados começaram a desenvolver
resistência à insulina e seus triglicerídeos subiram em poucos dias. Com doses
mais baixas, diz Tappy, exatamente como na pesquisa com animais, o mesmo efeito
também se verificava, mas levava mais tempo, um mês ou mais.
Apesar da evidência estar de acumulando, ainda se pode
criticá-la como inconclusiva. Os estudos com roedores não se aplicam
necessariamente a humanos. E o tipo de estudo que Tappy, Havel e Stanhope
fizeram – fazendo pessoas reais beber líquidos adoçados com frutose e comparando
o efeito com o que acontece quando as mesmas pessoas bebem líquidos adoçados
com glicose – não se aplicam à experiência humana real, porque nós nunca
consumidos frutose pura naturalmente. Nós sempre a tomamos associada à glicose,
na combinação de aproximadamente 50/50% do açúcar ou do xarope de milho. E ainda
a quantidade de frutose ou sacarose fornecida em tais estudos aos roedores ou
aos humanos tem sido tipicamente enorme.
É por isso que as revisões de pesquisa sobre o assunto
invariavelmente concluem que mais pesquisa é necessária para estabelecer em qual
dose o açúcar e o xarope de milho passam a ser o que Lustig chama de tóxicos.
(...)
Infelizmente, é pouco provável que descubramos qualquer
coisa conclusiva no futuro próximo. Como Lustig aponta, o açúcar e o xarope de
milho certamente não são "toxinas agudas" do tipo que o FDA normalmente
regula e cujos efeitos podem ser estudados em dias ou meses. A questão é saber
se são "toxinas crônicas", o que significa "não tóxicas depois
de uma refeição, mas depois de 1000". Isso significa que o que Tappy chama
de "estudos de intervenção" tem de se estender por muito mais tempo
do que 1000 refeições para ser significativos.
No momento, os Institutos nacionais de saúde estão apoiando surpreendentemente
poucos estudos clínios relacionados ao açúcar e ao xarope de milho nos EU. São pequenos
e nenhum dura mais que uns poucos meses. Lustig e seus colegas na UCSF –
incluindo Jean-Marc Schwarz, que Tappy descreve como um dois três melhores
bioquímicos de frutose no mundo – estão fazendo um deles. Ele vai olhar o que
acontece quando adolescentes obesos não consomem nenhum outro açúcar além do
que se pode encontrar em frutas e vegetais. Outro estudo vai fazer o mesmo com
mulheres grávidas para ver se seus bebês vão nascer mais saudáveis e magros.
Um único estudo neste país, de Havel e Stanhope na
Universidade da Califórnia, Davis, tenta responder a questão sobre quanto
açúcar é necessário para desencadear os sintomas de resistência à insulina e
síndrome metabólica. Havel e Stanhope estão fazendo pessoas saudáveis tomar três
bebidas adoçadas com açúcar por dia e então vendo o que acontece. O problema é
que esse estudo das três bebidas por dia dura apenas duas semanas. Não parece
muito tempo – apenas 42 refeições, não 1000 – mas Havel e Stanhope têm estudado
a frutose desde meados dos anos 1990 e parecem confiantes que duas semanas são
suficientes para ver se esses açúcares causam pelo menos alguns dos sintomas de
síndrome metabólica.
Portanto a resposta à questão sobre se o açúcar é tão mau
quanto Lustig afirma é que ele certamente poderia ser. Pode muito bem ser
verdade que o açúcar e o xarope de milho com alto teor de frutose, dada a
maneira única com que metabolizamos a frutose e nos níveis em que a consumimos
hoje, causem acúmulo de gordura em nossos fígados, seguido de resistência à
insulina e síndrome metabólica, e assim desencadeiem o processo que leva à doença
cardíaca, diabetes e obesidade. Eles realmente poderiam ser tóxicos, mas levam
anos para fazer o estrago. Não acontece da noite pro dia. Até que estudos de
longo prazo sejam realizados, não saberemos com certeza.
Açúcar e câncer
(...) Quais são as chances de que o açúcar seja ainda pior
do que Lustig afirma?
Uma das doenças que aumentam na incidência de obesidade,
diabete e síndrome metabólica é o câncer. Eis porque eu disse antes que a
resistência à insulina pode ser um defeito fundamental subjacente a muitos
cânceres, como é à diabetes tipo 2 e à doença cardíaca. A ligação entre
obesidade, diabetes e câncer foi relatada pela primeira vez em 2004 em estudos
de grandes populações feitos por pesquisadores da Agência para pesquisa sobre o
câncer da OMS. Não é algo controverso. O que significa que você tem mais
chances de ter câncer se estiver obeso ou diabético do que se não estiver e tem
mais chances de ter câncer se tiver síndrome metabólica.
Isso está ligado a duas observações que levaram à aceitação
geral da ideia de que uma grande porcentagem dos cânceres é causada pela nossa
dieta e estilo de vida ocidentais. Isso significa que eles poderiam ser
evitados se pudéssemos precisar exatamente qual é o problema e evitá-lo.
Uma das observações é que os índices de morte por câncer,
como os de diabetes, aumentaram significativamente na segunda metade do século
19 e nas primeiras décadas do 20. Como com a diabetes, essa observação veio
acompanhada de um vigoroso debate sobre se esses aumentos poderiam ser
explicados só pelo envelhecimento da população e o uso de novas técnicas de
diagnóstico ou se era realmente a incidência de câncer que estava aumentando. "por
volta dos anos 1930", conforme explica um relatório do Fundo internacional
para pesquisa sobre o câncer o o Instituto americano de pesquisa sobre o câncer,
"parecia que as taxas de morte por câncer ajustadas por idade estavam
crescendo nos EU", o que significava que a probabilidade de alguém com 60
anos, por exemplo, morrer de câncer estava aumentando, mesmo se havia de fato
mais pessoas de 60 anos morrendo a cada ano.
A segunda observação é que o tumor maligno, como a diabetes,
era relativamente raro em populações que não tinham uma dieta ocidental e em
algumas dessas populações ele parecia virtualmente inexistente. Nos anos 1950,
tumores malignos entre os Inuit, por exemplo, ainda eram considerados raros o
suficiente para que médicos trabalhando no norte do Canadá publicassem
relatórios em periódicos médicos quando diagnostivam um caso.
Em 1984, médicos canadenses publicaram uma análise sobre a
incidência de câncer entre os Inuit no Ártico central e ocidental durante 30
anos. Embora tenha havido "um aumento notável da incidência de cânceres de
sociedades modernas" incluindo câncer de pulmão e cervical, eles
relataram, ainda havia "notáveis déficits" em índices de câncer de
mama. Eles não puderam encontram um único caso em um paciente Inuit antes de
1966; apenas dois entre 1967 e 1980. Desde então, como a dieta deles se tornou
mais parecida com a nossa, a incidência de câncer de mama cresceu
constantemente entre os Inuit, embora ainda seja significativamente menor que
em outros grupos étnicos norte americanos. Os índices de diabetes entre os
Inuit também foram de extremamente baixos em meados do século 20 a altos hoje.
A maior parte dos pesquisadores concorda que a ligação entre
a dieta e o estilo de vida ocidental e o câncer se manifesta através de uma
associação com obesidade, diabetes e síndrome metabólica – i.e. resistência à
insulina. Essa era a conclusão, por exemplo, de um relatório de 2007 publicado
pelo Fundo mundial para pesquisa do câncer e o Instituto americano para
pesquisa do câncer – "Alimentação, nutrição, atividade física e prevenção
do câncer".
Então, como isso funciona? Os pesquisadores de câncer
consideram hoje que o problema com a resistência à insulina é que ela nos leva
a secretar mais insulina, e a insulina (bem como um hormônio relacionado
conhecido como fator de crescimento semelhante à insulina) de fato promove o
crescimento de tumores.
Como me explicou Craig Thompson, que fez muito dessa
pesquisa e é hoje presidente do Centro de câncer do Memorial Sloan-Kettering em
Nova Iorque, as células de muitos cânceres humanos tornam-se dependentes da
insulina para prover-lhes o combustível (açúcar sanguíneo) e materiais de que
precisam para crescer e multiplicar-se. A insulina e o fator de crescimento
semelhante à insulina (e fatores de crescimento relacionados) também dão o
sinal, de fato, para que o façam. Quanto mais insulina, melhor eles o fazem.
Alguns
cânceres desenvolvem mutações que lhes servem para aumentar a influência de
insulina sobre a célula; outros tiram vantagem dos níveis elevados de insulina
que são comuns à síndrome metabólica, diabetes e obesidade. Alguns fazem ambas
as coisas. Thompson acredita que muitas células pré-cancerosas nunca
adquiririam as mutações que as transformam em tumores malignos se não fosse
levadas pela insulina a absorver cada vez mais açúcar do sangue e
metabolizá-lo.
O que esses pesquisadores chamam de sinal da insulina
elevada (ou do fator de crescimento semelhante à insulina elevado) parece ser
um passo necessário em muitos cânceres humanos, particularmente em cânceres
como o de mama e cólon. Lewis Cantley, diretor do Centro de câncer do Centro médico
Beth Israel Deaconness da Escola médica de Harvard, diz que até 80% de todos os
cânceres humanos são causados ou por mutações ou por fatores ambientais que
trabalham para exacerbar ou imitar o efeito da insulina na célula tumorosa
incipiente. Cantley é hoje líder de um dos cinco "dream teams"
científicos, financiados por uma coalizão nacional chamada Stand Up to Cancer,
que estuda, no caso do time de Cantley, precisamente essa conexão entre um gene
específico sinalizador de insulina [insulin-signaling gene] (conhecido
tecnicamente como PI3K) e o desenvolvimento de tumores de mama e de outros
cânceres comuns entre mulheres.
A maior parte dos pesquisadores que estuda essa ligação
insulina/câncer parece preocupada primariamente com a descoberta de uma droga
que possa suprimir a sinalização de insulina [insulin signaling] em células
tumorais incipientes e assim, eles esperam, inibir ou evitar inteiramente seu
crescimento. Muitos dos especialistas que escrevem sobre a ligação
insulina/câncer da perspectiva da saúde pública – como no relatório de 2007 do
Fundo mundial para pesquisa do câncer e o Instituto americano para pesquisa do
câncer – trabalham com a pressuposição de que níveis cronicamente elevados de
insulina e resistência à insulina são causados por estar-se gordo ou engordar. Eles
recomendam, como o relatório de 2007, que trabalhemos para emagrecer e nos
tornar mais ativos fisicamente, e isso por sua vez nos ajudará a evitar o
câncer.
Mas alguns pesquisadores defendem, como Cantley e Thompson,
que se algo além da obesidade causa a resistência à insulina, provavelmente é a
causa dietética de muitos cânceres. Se é o açúcar que causa a resistência à
insulina, eles dizem, então é quase inevitável concluir que o açúcar causa
câncer – alguns cânceres, ao menos – por mais radical que isso possa parecer e
a despeito do fato de que essa sugestão raramente é feita publicamente. Exatamente
por essa razão, nenhum desses dois pesquisadores comem açúcar ou xarope de
milho, se podem evitá-lo.
"Eu eliminei o açúcar refinado da minha dieta e como
tão pouco quanto possível", Thompson me contou, "porque acredito
afinal que é algo que posso fazer para diminuir meu risco de câncer".
Cantley coloca a questão nos seguintes termos: "Açúcar me assusta".
Açúcar me assusta, também, óbvio. Eu gostaria de comê-lo com
moderação. Eu certamente gostaria que meus dois filhos o comessem com
moderação, não em excesso, mas depois de estudar e escrever sobre esse assunto
por mais de uma década, eu de fato não sei o que isso signfica. Se o açúcar
engorda, é uma coisa. Se começamos a engordar, comemos menos dele. Mas estamos
falando também sobre coisas que não conseguimos ver – fígado gorduroso, resistência
à insulina e tudo que se segue. Oficialmente eu não devo me preocupar porque a
evidência não é conclusiva, mas eu me preocupo.