Thursday, May 23, 2013

"O açúcar é tóxico?", tradução de "Is sugar toxic?", artigo de Gary Taubes no NYT

Publico aqui uma tradução apressada do artigo Is sugar toxic?, de Gary Taubes, publicado no New York Times em 13/04/2011, de que fiquei sabendo via Papacapim. Para quem não é médico, é uma explicação bem completa, pelo menos foi o que eu achei, dos efeitos do açúcar no corpo humano.

O artigo é longo e fiz alguns saltos, indicados à maneira costumeira "(...)", o maior na primeira página, que é basicamente uma introdução.

Pus uns títulos para indicar o assunto de cada seção, em itálico. Entre [   ] estão meus acréscimos ou dúvidas.

Na primeira página, o autor, Gary Taubes, apresenta Robert Lustig, um especialista em obesidade infantil da  Faculdade de Medicina de São Francisco, Universidade da Califórnia. Lustig compilou, segundo Taubes, dados que mostrariam que o açúcar - mais exatamente, a frutose altamente purificada e concentrada - é uma substância tóxica, principal responsável pelas doenças da chamada dieta ocidental, obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e alguns cânceres.


O que é açúcar

"... vamos começar esclarecendo alguns tópicos, a começar pelo uso que Lustig faz da palavra "açúcar" para designar ambos a sacarose – açúcar de cana e de beterraba, branco ou marrom [mascavo, demerara] – e xarope de milho com alto teor de frutose. Esse é um ponto crítico, particularmente porque o xarope de milho com alto teor de frutose realmente se tornou "o detonador da desconfiança geral em relação aos alimentos processados", diz Marion Nestle, uma nutricionista da Universidade de Nova Iorque e autora de Food Politics [Política da comida].

Essa mudança é recente e beira a comédia. No começo dos anos 1980, o xarope de milho com alto teor de frutose substituiu o açúcar em refrigerantes e outros produtos, em parte porque o açúcar refinado tinha então a reputação de ser um nutriente nocivo. (...) O xarope de milho era apresentado pela indústria alimentícia como uma alternativa saudável, e o público acreditou. Também era mais barato que açúcar, o que não era nada mau do ponto de vista comercial. Agora a maré está indo em sentido contrário, e o açúcar está reaparecendo comercialmente como uma alternativa supostamente alternativa ao nocivo xarope de milho. "As empresas estão substituindo seus produtos por versões com sacarose e fazendo publicidade destas como produtos "sem xarope de milho com alto teor de frutose", nota Nestle.

Mas deixando de lado o marketing os dois edulcorantes são efetivamente idênticos em seus efeitos biológicos. (...)

O açúcar refinado (isto é, a sacarose) é formado por uma molécula do carboidrato  glicose ligada à uma molécula do carboidrato frutose – uma mistura 50/50 das duas. A frutose, que é quase duas vezes mais doce que a glicose, é o que diferencia o açúcar das outras comidas ricas em carboidratos (como o pão ou batatas), que se quebram na digestão formando só glicose. Quanto mais frutose houver numa substância, mais doce ela será. O xarope de milho, na forma mais comum, é 55% frutose, e os 45% restantes são quase todos glicose. Começou a ser comercializado no fim dos anos 1970 e foi criado para ser indiscernível do açúcar refinado quando usado em refrigerantes. Como cada um desses açúcares termina virando glicose e frutose em nosso trato digestivo, nossos corpos reagem da mesma maneira a ambos, e os efeitos fisiológicos são idênticos. Numa revisão de 2010 da literatura, Luc Tappy, um pesquisador da Universidade de Lausanne na Suíça, considerado pelos bioquímicos que estudam frutose uma das mais eminentes autoridades no assunto, disse que "não há o menor indício" de que o xarope de milho seja mais deletério que qualquer outra fonte de açúcar.

A questão, portanto, não é se o xarope de milho é pior que açúcar, mas o que eles fazem conosco e como. Há muito tempo o ponto de vista tradicional é que o pior que se pode dizer sobre açúcares de qualquer tipo é que eles causam cáries e representam "calorias vazias" que comemos em excesso porque tem um gosto muito bom.

Segundo essa lógica, bebidas adoçadas com açúcar fazem mal não porque haja alguma coisa particularmente tóxica no açúcar que elas têm mas só porque as pessoas bebem demais delas.
As organizações que aconselham a diminuir a ingestão de açúcar – o Departamento de Agricultura, por exemplo, no recente Guia dietético para os americanos, ou a Associação Americana do Coração no guia lançado em setembro de 2009 (do qual Lustig é co-autor) – o fazem por esse motivo. O açúcar refinado e o xarope de milho não têm nenhuma proteína, vitaminas, minerais, antioxidantes ou fibra, e assim eles tomam o lugar de outros elementos mais nutritivos da nossa dieta ou são consumidos em quantidade maior do que a necessária para manter o nosso peso – e é por isso que engordamos.

Se o argumento das calorias vazias é verdade ou não, certamente ele é conveniente. Ele permite que coloquemos a culpa pela obesidade e, por extensão, pelo diabetes – duas condições tão intimamente relacionadas que algumas autoridades passaram a chamá-las de "diabesidade" – à sobreingestão de todas as comidas, ou à falta de exercícios, porque uma caloria é uma caloria. (...)

Como ele é metabolizado

O argumento de Lustig, no entanto, [é]... que o açúcar tem características únicas, especificamente no modo como o corpo humano metaboliza a frutose dele, que podem torná-lo singularmente prejudicial, ao menos se consumido em quantidades suficientes.

A expressão que Lustig usa quando descreve esse conceito é "isocalórico mas não isometabólico". Isso significa que podemos comer 100 calorias de glicose (de uma batata ou outro amido) ou 100 calorias de açúcar (metade glicose e metade frutose) e elas serão metabolizadas diferentemente e terão um efeito diferente no corpo. As calorias são as mesmas, mas as consequências metabólicas são bastante diferentes.
A frutose que compõe o açúcar e o xarope de milho é metabolizada primariamente pelo fígado, enquanto a glicose do açúcar e amidos é metabolizada em cada célula do corpo. Consumir açúcar (frutose e glicose) significa mais trabalho para o fígado do que consumir o mesmo número de calorias de amido (glicose). E se fosse ingere o açúcar na forma líquida – refrigerantes ou sucos de fruta – a frutose e a glicose chegam ao fígado mais rapidamente que se você os ingere, digamos, numa maçã (ou várias, para chegar ao que os pesquisadores chamariam de uma dose equivalente de açúcar). A velocidade com que o fígado tem que fazer o trabalho também afeta a maneira como ele metaboliza a frutose e a glicose.

Em animais, ou ao menos em ratos e camundongos de laboratório, é claro que se a frutose atinge o fígado em quantidade e velocidade suficientes, o fígado converte muito dela em gordura. Isso aparentemente induz uma condição conhecida como resistência à insulina, que é considerada atualmente como o problema fundamental na obesidade e o defeito subjacente à doença cardíaca e à diabetes tipo 2, comum em pessoas obesas e com sobrepeso. Pode ser também o defeito subjacente a muitos cânceres.
Se o que acontece em roedores de laboratório também acontece em humanos, e se estamos comendo açúcar suficiente para fazer isso acontecer, então estamos com problemas.

O que dizem as autoridades sobre o consumo de açúcar

A última vez que uma agência do governo federal examinou em algum detalhe a questão do açúcar e da saúde foi em 2005, num relatório do Instituto de Medicina, um ramo da Academia Nacional. Os autores do relatório reconheceram que há evidência abundante de que o açúcar pode aumentar o risco de doença cardíaca e diabetes – até aumentando o colesterol LDL, conhecido como "mau colesterol" – mas não consideraram que os resultados eram definitivos. Havia bastante ambiguidade, eles concluíram, e não puderam nem mesmo estabelecer um limite superior para quanto açúcar é demais. Referindo-se ao relatório de 2005, um relatório do Instituto de Medicina divulgado no último outono reiterou que "há falta de acordo científico sobre a quantidade de açúcar que pode ser consumida numa dieta saudável". Essa foi a mesma conclusão a que o FDA chegou quando avaliou pela última vez a questão do açúcar, em 1986. O relatório do FDA foi percebido como uma exoneração do açúcar e essa percepção influenciou o tratamento do açúcar em relatórios importantes sobre dieta e saúde que se seguiram.
(...)

Quando Glinsmann e os co-autores do relatório do FDA decidiram que nenhuma evidência conclusiva demonstrava que os níveis de açúcar então consumidos eram nocivos, eles estimaram aqueles níveis em 40 libras por pessoa por ano [pouco mais de 18 quilos], além do que se pode obter naturalmente de frutas e vegetais – 40 libras de açúcares adicionados como os nutricionistas hoje os chamam. Essas 200 calorias por dia de açúcar, que é menos do que há numa lata de meia de Cola Cola ou dois copos de suco de maçã. Se fosse isso mesmo que consumimos, a maior parte dos nutricionistas, Lustig inclusive, estariam hoje em transe.

Mas 40 libras por ano são, de fato, 35 libras a menos do que os analistas do Departamento de Agricultura diziam que estávamos consumindo naquela época – 75 libras por pessoa por ano [34 quilos] – e as estimativas do DA são tipicamente consideradas mais confiáveis. No início dos anos 200, de acordo com o DA, tínhamos aumentado nosso consumo para mais de 90 libras [quase 40 quilos] por pessoa por ano.
O fato de que esse aumento justamente coincide com a atual epidemia de obesidade e diabetes é uma razão pela qual é tentador culpar os açúcares – a sacarose e o xarope de milho com alto teor de frutose – pelo problema. Em 1980, aproximadamente um em cada sete americanos estava obeso, e quase seis milhões eram diabéticos, e os índices de obesidade, pelo menos, não tinham se modificado significativamente nos 20 anos anteriores. No começo dos 2000, quando o consumo de açúcar disparou, um em cada três americanos estava obeso e 14 milhões, diabéticos.

Essa correlação entre o consumo de açúcar e diabetes é o que os advogados de defesa chamam de prova circunstancial. É mais convincente do que seria noutro contexto, no entanto, porque a última vez que houve um aumento do consumo de açúcar significativamente neste país [os Estados Unidos], ele também foi associado a uma epidemia de diabetes.

Debate científico

No começo dos anos 2000, muitas das principais autoridades em diabetes na América do Norte e Europa (incluindo Frederick Banting, que em 1923 dividiu o prêmio Nobel pela descoberta da insulina) suspeitavam que o açúcar causa diabetes com base na observação de que a doença era rara em populações que não consumiam açúcar refinado e disseminada naquelas que o faziam. Em 1924, Haven Emerson, diretor do instituto de saúde pública [em letras minúsculas no original] da Universidade de Colúmbia, relatou que as mortes por diabetes na cidade de Nova Iorque tinham aumentado 15 vezes desde a Guerra Civil, 4 vezes em algumas cidades americanas só entre 1900 e 1920. Isso coincidira, ele notou, com um aumento igualmente significativo do consumo de açúcar – que quase dobrara de 1890 até o começo dos 1920 – com o nascimento e subsequente crescimento das indústrias de doces e refrigerantes.

O argumento de Emerson foi combatido por Elliott Joslin, uma autoridade em diabetes, e Joslin acabou vencendo. Mas seu argumento era fundamentalmente falho. Simplificando, era o seguinte: os japoneses comem muito arroz, e os diabéticos japoneses são raros; arroz é basicamente carboidrato, o que sugere que o açúcar, também um carboidrato, não causa diabetes. Mas açúcar e arroz não são idênticos só porque são ambos carboidratos. Joslin não podia saber naquela época que a frutose do açúcar afeta a maneira como o metabolizamos.

Joslin também não sabia que os japoneses comem pouco açúcar. No começo dos anos 1960, os japoneses comiam tão pouco açúcar quanto os americanos um século antes, talvez ainda menos, o que significa que a experiência japonesa não poderia ter sido usada para validar a ideia de que o açúcar causa diabetes. Ainda assim, como Joslin argumentou edição após edição da sua obra seminal que o açúcar não desempenhava papel algum na diabetes, isso eventualmente ganhou a aura de verdade indiscutível.

Até Lustig aparecer, a última vez que um estudioso avançou decididamente a tese do açúcar ser uma toxina foi nos anos 1970, quando John Yudkin, uma autoridade em nutrição no Reino Unido, publicou uma polêmica em torno do açúcar chamada "Doce e perigoso". Durante os anos 1960, Yudkin fez uma série de experimentos alimentando com açúcar e amido roedores, galinhas, coelhos, porcos e estudantes universitários. Ele descobriu que o açúcar invariavelmente aumentava os níveis sanguíneos de triglicerídeos (um termo técnico para gordura), que eram considerados então, como hoje, um fator de risco para doença cardíaca. O açúcar também aumentava os níveis de insulina nos experimentos de Yudkin, o que o ligava diretamente ao diabetes tipo 2. Poucos na comunidade médica levaram as ideias de Yudkin a sério, em grande medida porque ele também defendia que a gordura ingerida na dieta e a gordura saturada eram inofensivas. Isso colocou a hipótese de Yudkin sobre o açúcar em oposição direta ao consenso crescente sobre a ideia, ainda hoje bem aceita, de que a gordura da dieta era a causa de doenças cardíacas, uma noção defendida pelo nutricionista da Universidade de Minnesota Ancel Keys.

Um pressuposto comum naquela época era que se uma das hipóteses estava certa, a outra estava provavelmente errada. Ou a gordura causava doença cardíaca por meio do aumento de colesterol, ou o açúcar a causava aumentando os triglicerídeos. (...)

Naquela época, muitas das observações-chave citadas para defender que a gordura ingerida na dieta causava doença cardíaca na verdade também apoiam a teoria do açúcar. Durante a Guerra da Coréia, patologistas que autopsiavam soldados americanos mortos em batalha notaram que muitos tinham placas significativas em suas artérias, mesmo aqueles que ainda eram adolescentes, enquanto os coreanos mortos em batalha não as tinham. As placas arteroscleróticas nos americanos foram atribuídas ao fato de que eles tinham uma dieta rica em gordura, enquanto a dos coreanos era pobre em gordura. Mas os americanos também tinham uma dieta rica em açúcar, enquanto os coreanos, como os japoneses, não.

Em 1970, Keys publicou os resultados de um importante estudo em nutrição conhecido como o Estudo dos Sete Países. Seus resultados foram percebidos pela comunidade médica e pelo público em geral como evidência convincente de que o consumo de gorduras saturadas na dieta é o melhor índice para prever doença cardíaca. Mas o consumo de açúcar nos sete países estudados era quase tão bom para isso. De modo que é possível que Yudkin estivesse certo, e Keys, errado, ou que ambos estivessem certos. A evidência sempre podia ter sido usada de um jeito ou de outro.

Os médicos europeus tenderam a se alinhar a Yudkin; os americanos, a Keys.(...)

No fim dos 1970, qualquer cientista que estudasse os potencias efeitos deletérios do açúcar ingerido na dieta, de acordo com o doutor Sheldon Reiser, que fazia exatamente isso no laboratório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em Beltsville, e falasse publicamente a respeito estava colocando sua reputação em risco. "Yudkin foi tão desacreditado", Reiser me disse. "Ele era de certo modo ridicularizado. E se alguém dissesse alguma coisa negativa sobre a sacarose, eles diziam 'Ele é como o Yudkin'".

A síndrome metabólica

O que mudou desde então, senão que os americanos estão ficando mais gordos e diabéticos? Não é que os pesquisadores tenham aprendido algo particularmente novo sobre os efeitos do açúcar ou do xarope de milho sobre o corpo humano. Foi antes o contexto da ciência que mudou: médicos e autoridades médicas aceitaram a ideia de que uma condição conhecida como síndrome metabólica é um grande, senão o maior, fator de risco para a doença cardíaca e o diabetes. Os Centros para controle e prevenção de doenças estimam que algo em torno de 75 milhões de americanos têm síndrome metabólica. Para aqueles que têm ataques cardíacos, a síndrome metabólica é provavelmente a razão.

O primeiro sintoma que os médicos são ensinados a procurar para diagnosticar a síndrome metabólica é uma cintura em expansão. Isso significa que se você está com sobrepeso, há uma boa chance de ter síndrome metabólica, e é por isso que você também tem mais chances de ter um ataque cardíaco ou se tornar diabético (ou ambos) do que alguém que não está acima do peso. Embora indivíduos magros também possam ter a síndrome metabólica, e eles têm então maiores chances de ter doenças cardíacas e diabetes que indivíduos magros sem a síndrome.

Síndrome metabólica é uma outra forma de dizer que as células do seu corpo estão ativamente ignorando a ação do hormônio insulina – uma condição conhecida tecnicamente como resistência à insulina. Como a resistência à insulina e a síndrome metabólica recebem surpreendentemente pouca atenção da mídia (certamente se comparadas ao colesterol), deixe-me explicar o básico.

Você secreta insulina em resposta aos alimentos que come – particularmente aos carboidratos – para manter o açúcar sanguíneo sob controle após uma refeição. Quando suas células são resistentes à insulina, seu corpo (seu pâncreas, para ser preciso), responde ao aumento do nível de açúcar no sangue bombeando cada vez mais insulina. Eventualmente o pâncreas não consegue mais acompanhar a demanda ou entra numa condição que os diabetologistas chamam de "exaustão pancreática". Agora o nível de açúcar no seu sangue vai subir sem controle, e você tem diabetes.

Nem todas as pessoas com resistência à insulina se tornam diabéticas; algumas continuam a secretar insulina suficiente para vencer a resistência de suas células ao hormônio. Mas ter níveis cronicamente altos de insulina tem efeitos prejudiciais por si – doença cardíaca, por exemplo. O resultado são níveis mais altos de triglicérides e pressão sanguínea, níveis mais baixos de colesterol HDL (o bom colesterol), que pioram a resistência à insulina – isso é síndrome metabólica.

Quando os médicos avaliam seu risco de doença cardíaca hoje, eles consideram seu colesterol LDL (o tipo ruim), mas também esses sintomas de síndrome metabólica. A ideia, de acordo com Scott Grundy, nutricionista do Centro médico da Universidade do sudoeste do Texas e presidente do painel que produziu a última edição do guia do Programa nacional de educação sobre colesterol, é que os ataques cardíacos de 50 anos atrás podem ter sido causados por colesterol alto – particularmente colesterol LDL alto – mas desde então ficamos mais gordos e diabéticos, e agora é a síndrome metabólica o problema mais notável.

O que levanta duas questões óbvias. A primeira, o que causa a síndrome metabólica, em primeiro lugar, o que é outra maneira de perguntar, o que causa a resistência à insulina? Há várias hipóteses, mas pesquisadores que estudam os mecanismos da resistência à insulina acham agora que uma causa provável é o acúmulo de gordura no fígado. Nos estudos feitos para tentar responder à questão em humanos, diz Varman Samuel, que estuda resistência à insulina na Escola de medicina de Yale, a correlação entre gordura no fígado e resistência à insulina em pacientes gordos ou magros é "notavelmente forte". O que parece, diz Samuel, é que "quando você deposita gordura no fígado, torna-se resistente à insulina".

O que levanta a outra questão óbvia: o que leva o fígado a acumular gordura em humanos? Uma suposição 
é que simplesmente engordar leva a um fígado gordo, mas isso não explica o mesmo fígado gordo em pessoas magras. Algo poderia ser atribuído a predisposição genética. Mas, voltando a Lustig, também há a possibilidade bem real de que o açúcar seja a causa.

Ligação entre síndrome metabólica e açúcar

Acontece que a síndrome metabólica e a resistência à insulina são as razões pelas quais muitos dos pesquisadores que hoje estudam a frutose passaram a se interessar pelo assunto. Se você quer causar resistência à insulina em ratos de laboratório, diz Gerald Reaven, o diabetologista da Universidade de Stanford que realizou muito do trabalho pioneiro sobre o assunto, alimentá-los sobretudo com frutose é um jeito fácil de fazê-lo. É um efeito "muito óbvio, muito dramático", diz Reaven.

Mas no começo dos anos 2000, pesquisadores que estudavam o metabolismo da frutose haviam estabelecido certos achados de forma unívoca e tinham explicações bioquímicas sólidas para o que estava acontecendo. Alimente animais com frutose pura ou açúcar em quantidade suficiente e os fígados deles convertem a frutose em gordura – o ácido saturado graxo, palmitato, para ser exato, que supostamente causa doença cardíaca quando o comemos, elevando o colesterol LDL. A gordura se acumula no fígado, e seguem-se a resistência à insulina e a síndrome metabólica.

Efeitos similares podem ser demonstrados em seres humanos, embora os pesquisadores que fazem esse trabalho tipicamente façam estudos só com frutose – como Luc Tappy fez na Suíça ou Peter Havel e Kimber Stanhope na Universidade da Califórnia, Davis – e frutose pura não é o mesmo que açúcar ou xarope de milho com alto teor de frutose. Quando Tappy alimentou seus sujeitos humanos com o equivalente em frutose a 8 a 10 latas de Coca ou Pepsi por dia – uma "dose bastante alta", ele diz – seus fígados começaram a desenvolver resistência à insulina e seus triglicerídeos subiram em poucos dias. Com doses mais baixas, diz Tappy, exatamente como na pesquisa com animais, o mesmo efeito também se verificava, mas levava mais tempo, um mês ou mais.

Apesar da evidência estar de acumulando, ainda se pode criticá-la como inconclusiva. Os estudos com roedores não se aplicam necessariamente a humanos. E o tipo de estudo que Tappy, Havel e Stanhope fizeram – fazendo pessoas reais beber líquidos adoçados com frutose e comparando o efeito com o que acontece quando as mesmas pessoas bebem líquidos adoçados com glicose – não se aplicam à experiência humana real, porque nós nunca consumidos frutose pura naturalmente. Nós sempre a tomamos associada à glicose, na combinação de aproximadamente 50/50% do açúcar ou do xarope de milho. E ainda a quantidade de frutose ou sacarose fornecida em tais estudos aos roedores ou aos humanos tem sido tipicamente enorme.

É por isso que as revisões de pesquisa sobre o assunto invariavelmente concluem que mais pesquisa é necessária para estabelecer em qual dose o açúcar e o xarope de milho passam a ser o que Lustig chama de tóxicos. (...)

Infelizmente, é pouco provável que descubramos qualquer coisa conclusiva no futuro próximo. Como Lustig aponta, o açúcar e o xarope de milho certamente não são "toxinas agudas" do tipo que o FDA normalmente regula e cujos efeitos podem ser estudados em dias ou meses. A questão é saber se são "toxinas crônicas", o que significa "não tóxicas depois de uma refeição, mas depois de 1000". Isso significa que o que Tappy chama de "estudos de intervenção" tem de se estender por muito mais tempo do que 1000 refeições para ser significativos.

No momento, os Institutos nacionais de saúde estão apoiando surpreendentemente poucos estudos clínios relacionados ao açúcar e ao xarope de milho nos EU. São pequenos e nenhum dura mais que uns poucos meses. Lustig e seus colegas na UCSF – incluindo Jean-Marc Schwarz, que Tappy descreve como um dois três melhores bioquímicos de frutose no mundo – estão fazendo um deles. Ele vai olhar o que acontece quando adolescentes obesos não consomem nenhum outro açúcar além do que se pode encontrar em frutas e vegetais. Outro estudo vai fazer o mesmo com mulheres grávidas para ver se seus bebês vão nascer mais saudáveis e magros.

Um único estudo neste país, de Havel e Stanhope na Universidade da Califórnia, Davis, tenta responder a questão sobre quanto açúcar é necessário para desencadear os sintomas de resistência à insulina e síndrome metabólica. Havel e Stanhope estão fazendo pessoas saudáveis tomar três bebidas adoçadas com açúcar por dia e então vendo o que acontece. O problema é que esse estudo das três bebidas por dia dura apenas duas semanas. Não parece muito tempo – apenas 42 refeições, não 1000 – mas Havel e Stanhope têm estudado a frutose desde meados dos anos 1990 e parecem confiantes que duas semanas são suficientes para ver se esses açúcares causam pelo menos alguns dos sintomas de síndrome metabólica.

Portanto a resposta à questão sobre se o açúcar é tão mau quanto Lustig afirma é que ele certamente poderia ser. Pode muito bem ser verdade que o açúcar e o xarope de milho com alto teor de frutose, dada a maneira única com que metabolizamos a frutose e nos níveis em que a consumimos hoje, causem acúmulo de gordura em nossos fígados, seguido de resistência à insulina e síndrome metabólica, e assim desencadeiem o processo que leva à doença cardíaca, diabetes e obesidade. Eles realmente poderiam ser tóxicos, mas levam anos para fazer o estrago. Não acontece da noite pro dia. Até que estudos de longo prazo sejam realizados, não saberemos com certeza.

Açúcar e câncer

(...) Quais são as chances de que o açúcar seja ainda pior do que Lustig afirma?
Uma das doenças que aumentam na incidência de obesidade, diabete e síndrome metabólica é o câncer. Eis porque eu disse antes que a resistência à insulina pode ser um defeito fundamental subjacente a muitos cânceres, como é à diabetes tipo 2 e à doença cardíaca. A ligação entre obesidade, diabetes e câncer foi relatada pela primeira vez em 2004 em estudos de grandes populações feitos por pesquisadores da Agência para pesquisa sobre o câncer da OMS. Não é algo controverso. O que significa que você tem mais chances de ter câncer se estiver obeso ou diabético do que se não estiver e tem mais chances de ter câncer se tiver síndrome metabólica.

Isso está ligado a duas observações que levaram à aceitação geral da ideia de que uma grande porcentagem dos cânceres é causada pela nossa dieta e estilo de vida ocidentais. Isso significa que eles poderiam ser evitados se pudéssemos precisar exatamente qual é o problema e evitá-lo.

Uma das observações é que os índices de morte por câncer, como os de diabetes, aumentaram significativamente na segunda metade do século 19 e nas primeiras décadas do 20. Como com a diabetes, essa observação veio acompanhada de um vigoroso debate sobre se esses aumentos poderiam ser explicados só pelo envelhecimento da população e o uso de novas técnicas de diagnóstico ou se era realmente a incidência de câncer que estava aumentando. "por volta dos anos 1930", conforme explica um relatório do Fundo internacional para pesquisa sobre o câncer o o Instituto americano de pesquisa sobre o câncer, "parecia que as taxas de morte por câncer ajustadas por idade estavam crescendo nos EU", o que significava que a probabilidade de alguém com 60 anos, por exemplo, morrer de câncer estava aumentando, mesmo se havia de fato mais pessoas de 60 anos morrendo a cada ano.

A segunda observação é que o tumor maligno, como a diabetes, era relativamente raro em populações que não tinham uma dieta ocidental e em algumas dessas populações ele parecia virtualmente inexistente. Nos anos 1950, tumores malignos entre os Inuit, por exemplo, ainda eram considerados raros o suficiente para que médicos trabalhando no norte do Canadá publicassem relatórios em periódicos médicos quando diagnostivam um caso.

Em 1984, médicos canadenses publicaram uma análise sobre a incidência de câncer entre os Inuit no Ártico central e ocidental durante 30 anos. Embora tenha havido "um aumento notável da incidência de cânceres de sociedades modernas" incluindo câncer de pulmão e cervical, eles relataram, ainda havia "notáveis déficits" em índices de câncer de mama. Eles não puderam encontram um único caso em um paciente Inuit antes de 1966; apenas dois entre 1967 e 1980. Desde então, como a dieta deles se tornou mais parecida com a nossa, a incidência de câncer de mama cresceu constantemente entre os Inuit, embora ainda seja significativamente menor que em outros grupos étnicos norte americanos. Os índices de diabetes entre os Inuit também foram de extremamente baixos em meados do século 20 a altos hoje.

A maior parte dos pesquisadores concorda que a ligação entre a dieta e o estilo de vida ocidental e o câncer se manifesta através de uma associação com obesidade, diabetes e síndrome metabólica – i.e. resistência à insulina. Essa era a conclusão, por exemplo, de um relatório de 2007 publicado pelo Fundo mundial para pesquisa do câncer e o Instituto americano para pesquisa do câncer – "Alimentação, nutrição, atividade física e prevenção do câncer".

Então, como isso funciona? Os pesquisadores de câncer consideram hoje que o problema com a resistência à insulina é que ela nos leva a secretar mais insulina, e a insulina (bem como um hormônio relacionado conhecido como fator de crescimento semelhante à insulina) de fato promove o crescimento de tumores.
Como me explicou Craig Thompson, que fez muito dessa pesquisa e é hoje presidente do Centro de câncer do Memorial Sloan-Kettering em Nova Iorque, as células de muitos cânceres humanos tornam-se dependentes da insulina para prover-lhes o combustível (açúcar sanguíneo) e materiais de que precisam para crescer e multiplicar-se. A insulina e o fator de crescimento semelhante à insulina (e fatores de crescimento relacionados) também dão o sinal, de fato, para que o façam. Quanto mais insulina, melhor eles o fazem. 

Alguns cânceres desenvolvem mutações que lhes servem para aumentar a influência de insulina sobre a célula; outros tiram vantagem dos níveis elevados de insulina que são comuns à síndrome metabólica, diabetes e obesidade. Alguns fazem ambas as coisas. Thompson acredita que muitas células pré-cancerosas nunca adquiririam as mutações que as transformam em tumores malignos se não fosse levadas pela insulina a absorver cada vez mais açúcar do sangue e metabolizá-lo.

O que esses pesquisadores chamam de sinal da insulina elevada (ou do fator de crescimento semelhante à insulina elevado) parece ser um passo necessário em muitos cânceres humanos, particularmente em cânceres como o de mama e cólon. Lewis Cantley, diretor do Centro de câncer do Centro médico Beth Israel Deaconness da Escola médica de Harvard, diz que até 80% de todos os cânceres humanos são causados ou por mutações ou por fatores ambientais que trabalham para exacerbar ou imitar o efeito da insulina na célula tumorosa incipiente. Cantley é hoje líder de um dos cinco "dream teams" científicos, financiados por uma coalizão nacional chamada Stand Up to Cancer, que estuda, no caso do time de Cantley, precisamente essa conexão entre um gene específico sinalizador de insulina [insulin-signaling gene] (conhecido tecnicamente como PI3K) e o desenvolvimento de tumores de mama e de outros cânceres comuns entre mulheres.

A maior parte dos pesquisadores que estuda essa ligação insulina/câncer parece preocupada primariamente com a descoberta de uma droga que possa suprimir a sinalização de insulina [insulin signaling] em células tumorais incipientes e assim, eles esperam, inibir ou evitar inteiramente seu crescimento. Muitos dos especialistas que escrevem sobre a ligação insulina/câncer da perspectiva da saúde pública – como no relatório de 2007 do Fundo mundial para pesquisa do câncer e o Instituto americano para pesquisa do câncer – trabalham com a pressuposição de que níveis cronicamente elevados de insulina e resistência à insulina são causados por estar-se gordo ou engordar. Eles recomendam, como o relatório de 2007, que trabalhemos para emagrecer e nos tornar mais ativos fisicamente, e isso por sua vez nos ajudará a evitar o câncer.

Mas alguns pesquisadores defendem, como Cantley e Thompson, que se algo além da obesidade causa a resistência à insulina, provavelmente é a causa dietética de muitos cânceres. Se é o açúcar que causa a resistência à insulina, eles dizem, então é quase inevitável concluir que o açúcar causa câncer – alguns cânceres, ao menos – por mais radical que isso possa parecer e a despeito do fato de que essa sugestão raramente é feita publicamente. Exatamente por essa razão, nenhum desses dois pesquisadores comem açúcar ou xarope de milho, se podem evitá-lo.

"Eu eliminei o açúcar refinado da minha dieta e como tão pouco quanto possível", Thompson me contou, "porque acredito afinal que é algo que posso fazer para diminuir meu risco de câncer". Cantley coloca a questão nos seguintes termos: "Açúcar me assusta".

Açúcar me assusta, também, óbvio. Eu gostaria de comê-lo com moderação. Eu certamente gostaria que meus dois filhos o comessem com moderação, não em excesso, mas depois de estudar e escrever sobre esse assunto por mais de uma década, eu de fato não sei o que isso signfica. Se o açúcar engorda, é uma coisa. Se começamos a engordar, comemos menos dele. Mas estamos falando também sobre coisas que não conseguimos ver – fígado gorduroso, resistência à insulina e tudo que se segue. Oficialmente eu não devo me preocupar porque a evidência não é conclusiva, mas eu me preocupo.



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