Saturday, April 9, 2011

De volta. Michael Pollan, "Em defesa da comida"

Depois de um longo e tenebroso verão, que inclui uma mudança de endereço e uma briga desigual com um roteador wireless - ele venceu, óbvio - estamos aqui.

Eis que uma das coisas bacanas que me aconteceu em meio ao caos foi esse livro aqui:

Há um trecho aqui.

Ele tem a ver com o "Food Inc.", em que o autor é entrevistado várias vezes. Na verdade, me parece que o primeiro capítulo traz o que parece ser a tese do filme: que as coisas andam mal, mas que cada vez que a gente compra um item "do bem" no supermercado, dá um voto a favor de uma outra maneira de produzir alimentos e tratar o meio ambiente e as pessoas envolvidas na produção dos alimentos. Acontece que no filme a coisa meio que fica por aí, a despeito de vários "personagens" dizerem coisas que desmentem a tese. No livro, Pollan escreve várias vezes que nem todo mundo tem o dinheiro necessário para votar nessa eleição...

Mas vamos ao livro.

Nossa alimentação, a alimentação contemporânea das populações urbanas, teria sido moldada por uma ciência da nutrição (mais um ensaio ou arremedo de ciência), uma indústria produtora de alimentos (fazendas de grãos, vegetais e animais), uma indústria transformadora desses alimentos e o Estado, que entra como um restritor dos direitos dessas duas últimas, informado pela primeira (que basicamente sempre disse para o governo que a indústria podia fazer o que queria).

A manobra científica, que o livro descreve clara e convincentemente como ideológica, legitimadora da indústria, é reduzir conceitualmente os alimentos a seus nutrientes conhecidos.

A redução ou abstração que dá origem ao conceito e cria o objeto da ciência ensina, explica e legitima a redução real da coisa. A violência contra a coisa, sejamos claros.

O exemplo primeiro aí é a margarina, que passou de imitação de manteiga (o governo obrigava a indústria a avisar isso ao consumidor) a um alimento pretensamente autêntico (o governo parou de obrigar a indústria a avisar porque a ciência da nutrição disse que a margarina tinha tudo que a manteiga tinha e portanto não era uma imitação), e finalmente a algo mais que um alimento autêntico, a um substituto melhor, científico, mais saúdável, da manteiga.

A manteiga mesma também não é exatamente o que historicamente se conheceu (e comeu) como manteiga. Pollan informa - e o livro tem muita muita informação, o que na maioria das vezes é bom - que os vegetais cultivados pelos métodos agronômicos modernos (com os fertilizantes normais) têm em média quatro vezes menos nutrientes que os orgânicos. Algo assim vale para a vaca, portanto para o leite etc.

Isso significa que a redução conceitual dos alimentos dá origem não só a falsos equivalentes industriais dos alimentos naturais, mas desnatura estes últimos: as próprias coisas são falsos equivalentes de si mesmas. A técnica de produção abstrai aí das relações das espécies com as outras e com o meio ambiente, sobretudo porque reduz o solo a um composto de substâncias e porque só cobiça que tudo cresça muito e rápido.

A ciência e a técnica não são neutras porque seus objetivos e efeitos não o são. No entanto, quando a ciência descobriu que a manteiga não era nociva e que a margarina era, isso não implicou em qualquer consequência prática - porque a ciência não se desculpa pelos seus erros, pela incompletude de suas teses, mesmo que coisas reais sejam feitas tomando-as como pressuposto. Como medir o dano à saúde pública causado pela margarina? Impossível, e portanto irrelevante tanto para cientistas quanto para a indústria.

Pollan não discute explicitamente a máquina de fazer dinheiro cujo apetite devora a comida e a saúde das pessoas, das outras espécies, do solo, nem discute como a indústria dos alimentos é uma parte apenas - importante, poderosa, mas parte - de um sistema econômico predador... mas é impossível não sentir sua sombra por toda parte.

Como conclusão prática, o que ele propõe explicitamente é desconfiar da ciência e afastar-se da indústria. E enfatiza que isso é viável porque já se formaram comunidades de pessoas que escolheram esse caminho e podem se apoiar.

Bom, é óbvio que nesse ponto a coisa fica em aberto. É óbvio que o capitalismo quer engolir tudo, e que portanto a advertência sombria contra o perigo de transformação da indústria orgânica em mais uma indústria é válida. Como é óbvio que nem todo mundo tem condições de entrar nessas comunidades, que a indústria de alimentos é ultra rica e poderosa, que as massas do planeta não têm escolha porque suas terras e sementes foram confiscadas pelo capital...

Então não vou escrever nenhuma frase de efeito pra terminar.

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