A cesárea em si foi quase indolor. O que mais doeu foi quando a enfermeira pegou o acesso: aquela "tomadinha" de plástico que fica numa veia da mão, onde eles põe toda a medicação. É uma picada pouco mais dolorida que a de tirar sangue para exames e o troço fica doído uma meia hora. A anestesia são outras duas picadas, uma superficial e ardida - como uma picada de mutuca - e outra mais funda, outro tipo de dor, mais inquietante, mas pouco intensa e bem breve.
A operação durou 45 minutos, talvez um pouco mais. Vi as coisas mais ou menos, pelo reflexo naquele "lustre" que fica logo acima da gente, minha barriga aberta, o bebê saindo de dentro dela. Foi meio fascinante e meio aterrador me ver assim. Também é estranha a sensação das pernas - antes, a ausência total de sensação e resposta - depois. E fiquei muito muito ansiosa para que elas "voltassem".
Bom, mas dor de verdade, desconforto de verdade, esses vêm depois.
A sensação mais intensa de dor para mim foi a do momento em que, no dia seguinte à cesárea, levantei da cama pela primeira vez para tomar banho. Como disse uma cunhada, é como se a gente estivesse caindo para dentro. Os órgãos parecem soltos, o que é extremamente desconfortável, e tem a dor mesmo. No hospital eles te levantam para dar banho, de manhã, no dia seguinte. Nesse dia o médico me orientou a dar pequenas caminhadas a cada x horas.
O que eu pensei, depois, foi que seria melhor levantar pela primeira vez com uma faixa (eles fazem uma cinta de bandagem, mas só depois) e receber um banho de paninho ao invés de um banho de chuveiro. Também o médico teria de explicar que as caminhadas são para prevenir trombose, uma coisa muito grave, que pode matar, a que pessoas recém-operadas estão sujeitas se não se movimentam. Com tanta dor e desconforto para ficar de pé, a tendência é que a pessoa negligencie as caminhadas.
A comida também foi um problema. A cozinha do hospital - um hospital bem conceituado - mandava café da manhã, lanche, almoço, lanche. Fora do almoço não havia fibras na dieta, o que não ajuda o intestino a voltar a funcionar. Além disso, o último lanche era servido às 6h e o café só vinha 7h ou 7h30 do dia seguinte. Quando começaram a me dar antiinflamatório, meu estômago doeu pacas e não tinha o que comer. Passei a segunda noite muito mal, até pedir ao plantonista para suspender um dos antiinflamatórios e me dar omeprazol com o outro. Fiquei com receio do antiinflamatório suspenso fazer falta, mas a dor de estômago estava insuportável.
Finalmente, tem a cinta. O inchaço e a sensação de que os órgãos estão soltos persiste, menos intensa que na primeira vez, mas, pelo menos para mim, é fundamental usar algo para segurar a barriga. No hospital, como eu disse, eles faziam uma cinta de bandagem, mas foi só por sorte que arrumei uma cinta de verdade emprestada para quando saí. Muito prudente comprar uma com antecedência - porque, acredite, ninguém quer ir comprar essas coisas, não tão fáceis de achar, recém-operada e com um bebezinho em casa.
Experimentei uma mais barata, que parece um elástico grosso enorme e não recomendo. Ela não se adapta à forma do corpo, e quando a gente senta fica parecendo um sorvete dentro da casquinha, super desconfortável. Boas acho aquelas de tecido elástico, com fechamento de colchetes.
Depois de uns dias, não muitos, uns quatro ou cinco, acho, comecei a inchar. Não tinha tido praticamente nenhum inchaço durante a gravidez, eis que fiquei super inchada. Meu médico disse que era por causa da cesárea e da ocitocina da amamentação. É um inchaço realmente diferente, que não melhora quase nada se a gente deita ou se anda e piora quando se dá de mamar. Durou coisa de uma semana, talvez um pouco mais, e passou de um jeito bem esquisito. Meu corpo foi desinchando de cima pra baixo, como se alguém estivesse bebendo o líquido com um canudinho. Nos últimos dias, dava pra ver direitinho onde terminava a parte normal da perna e onde começava a parte inchada, como se estivesse vestindo uma bota de líquido sob a pele.
Esse mesmo inchaço favorece a ingurgitação da mama. Mas falo sobre amamentação noutro post.
Pra concluir: cesárea é indolor, o pós dela é que é doloroso e incômodo. Não sei como é o pós parto normal, mas diz minha sogra, que fez os dois tipos de parto, que o normal a dor toda a gente sente na hora, cesárea sente toda depois.
O bom é que o pior do pós da cesárea coincide com os primeiros dias do bebê, que são mais calmos porque ele dorme muito, e bem motivantes, porque a gente está louca para curti-lo. Também é bom sentir, apesar de tudo, a mobilidade retornando pouco a pouco a níveis pré-fim-de-gravidez.
Finalmente, tem o fragilidade psíquica que, dizem, acompanha todo tipo de parto. Não sei se era porque esse é meu primeiro filho, mas toda aquela dor, mais a ansiedade com o aprendizado dos cuidados, que acontece nessas condições desfavoráveis, a mudança do regime hormonal para o da amamentação, etc. etc., tudo isso me deixou super chorona. Depois vai passando.
É preciso descansar bastante e poupar-se, ainda que a gente se sinta bem. A energia faz falta depois, quando o bebê começar a dar mais trabalho. É bom estar entre gente com quem a gente se sinta protegida. É fundamental cuidar-se.
Monday, November 21, 2011
Thursday, November 10, 2011
17 hippies Der Zug um 7.40 Uhr
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Monday, November 7, 2011
Um parto é um parto 1
Vamos às palavras.
De certa forma uma foto é muito menos pessoal que palavras. É fácil publicar fotos de um bebê fofo, menos fácil é falar sobre a experiência pessoal do parto, da maternidade. Mas isso é que é mais importante.
Meu filho nasceu de cesárea. Não era o que eu queria. Eu sabia por alto que a recuperação do parto normal é mais rápida e fácil, que no Brasil se fazem cesáreas demais - na comparação com outros países do mundo - e que no sistema privado de saúde mais ainda. E que isso se deve a interesses dos médicos ou hospitais, alheios às preocupações com a saúde das mulheres e crianças.
Havia no meu caso uma complicação considerável. Morei até o fim do sexto mês em São Paulo, depois mudei para Belo Horizonte, onde não conhecia nada nem ninguém. A gente vive nas cidades sem se dar conta de que as conhece, tão óbvio nos parece o que sabemos delas. Mas é só mudar que a gente percebe: os sinais de trânsito, os números das casas se escondem, as marcas a que estamos acostumados simplesmente não existem no mercado, a gente não entende os subentendidos, os outros não entendem o que a gente subentende, é difícil achar uma faxineira, que dirá o médico que vai fazer seu parto!
Meu marido é daqui, mas obviamente não conhecia um obstetra. Recorremos às mulheres da família e às amigas dele, mas não foi nada nada fácil encontrar alguém que jogasse limpo conosco - um bom ginecologista (e se a mulher é saudável, é difícil o cara não ser suficiente) não necessariamente é obstetra, muito menos um bom obstetra.
Um maluco me disse que o parto normal é o "parto da roça", que "sua o bigode", e que toda a campanha recente pelo parto normal era motivada por um interesse do governo, nem lembro no quê. Embora ele dissesse que respeitaria a minha opção, ficou óbvio que inventar uma desculpa fazer uma cesárea.
Uma outra médica era incrivelmente íntima. Na primeira consulta ia te beijando e abraçando, queria saber como eu e meu marido tínhamos nos conhecido, falou feito uma louca mais de uma hora, sobre tudo, menos sobre o que eu queria saber. Disse afinal que o importante era confiar no médico, que ele decidiria o que fosse melhor, e que eu tinha só que "curtir o pré-natal".
Aliás, mesmo antes da mudança, em todas as consultas relacionadas a problemas da gestação encontrei a mesma atitude: médicos e enfermeiras esperavam sempre que eu não considerasse nenhum sofrimento grande demais (o cara que tratou minha infecção urinária, por exemplo, me disse que isso não era nem doença, e que ser mãe é isso, "padecer no paraíso") e estivesse sempre encantada (a enfermeira do primeiro ultrassom ficou visivelmente chocada porque eu não chorei, mais ainda quando eu disse que era só com muita imaginação que a gente via um rosto naquelas manchas).
Cada fiasco desse me deixava apreensiva, desanimada, em dúvida sobre a possibilidade de encontrar alguém com quem eu me sentisse segura.
Finalmente encontramos um médico que disse, ok, vai ser normal se as coisas correrem bem, nós vamos conversando ao longo do processo. Mais importante, ele expressou as motivações que o fariam decidir pela cesárea e o que acontecia com o corpo no período anterior ao parto. As consultas do fim da gestação confirmaram minha primeira impressão, era um cara que jogava pela segurança, ou seja, que faria uma cesárea caso houvesse indícios de um parto normal difícil, não um entusiasta do normal, mas que falava honestamente e se dirigia a mim como um ser humano racional e dono do próprio corpo.
No fim, a gravidez chegou às 40 semanas sem que o colo do meu útero desse sinal de mudança e sem que o bebê encaixasse na pelve. O médico me explicou que a partir daí os bebês começam a "gastar suas reservas" e que, embora o parto normal vá eventualmente ocorrer, os riscos para a criança crescem. Isso, somado ao fato de que o bebê era beeem grande, fez com que ele indicasse uma cesárea. E eu concordei. Depois de tudo, teria sido terrível passar pela dor e pelo desconforto do pós-parto sem ter certeza da honestidade do médico, e da relação com ele.
Pode ser que um outro médico, um entusiasta, insistisse no parto normal. Esperasse. Colocasse o limite mais para frente. Mas o que eu entendi é: primeiro, que existe uma cultura médica, que varia entre países e mesmo entre estados, que a medicina é uma ciência ou uma técnica, mas que seu exercício privilegia certas abordagens com base numa "cultura" que é aprendida na prática e no convívio entre os praticantes. E eu não me relacionaria nem seria tratada pela técnica, mas por um médico, de acordo com sua cultura. E finalmente que, por essas duas razões, era preciso respeitar os limites do médico também, do que ele se sentisse seguro para fazer, porque forçá-lo (se isso fosse possível) a fazer algo que ele não soubesse fazer direito e não se sentisse seguro para fazer seria arriscado.
Isso não significa que eu tivesse que aceitar qualquer médico porque ele afinal é só portador de uma certa cultura. Pensando bem, a gente sempre vai navegando nessas culturas, escolhendo vertentes de acordo com nossas convicções, e a despeito de sermos leigos. Tendo encontrado alguém com que eu me sentia segura e respeitada, preferia aceitar os seus limites a continuar buscando - porque isso estava me exaurindo. A gravidez ia já pro final e eu sentia, mais que ponderava, que precisava parar de procurar e estabelecer a relação com o médico.
Assim, eu aceitei a cesárea. Tenho uma amiga que diz que se houver vida após a morte os obstetras que acham a cesárea maravilhosa viverão a eternidade em pós-parto de cesárea. Desse sentimento - uma ironia assim tem de ser a revanche para uma grande mágoa - acho que escapei. Apesar do pós-parto estar sendo realmente difícil, são só dor física e desconfortos, não a suspeita de estar sofrendo pela leviandade de outra pessoa.
De certa forma uma foto é muito menos pessoal que palavras. É fácil publicar fotos de um bebê fofo, menos fácil é falar sobre a experiência pessoal do parto, da maternidade. Mas isso é que é mais importante.
Meu filho nasceu de cesárea. Não era o que eu queria. Eu sabia por alto que a recuperação do parto normal é mais rápida e fácil, que no Brasil se fazem cesáreas demais - na comparação com outros países do mundo - e que no sistema privado de saúde mais ainda. E que isso se deve a interesses dos médicos ou hospitais, alheios às preocupações com a saúde das mulheres e crianças.
Havia no meu caso uma complicação considerável. Morei até o fim do sexto mês em São Paulo, depois mudei para Belo Horizonte, onde não conhecia nada nem ninguém. A gente vive nas cidades sem se dar conta de que as conhece, tão óbvio nos parece o que sabemos delas. Mas é só mudar que a gente percebe: os sinais de trânsito, os números das casas se escondem, as marcas a que estamos acostumados simplesmente não existem no mercado, a gente não entende os subentendidos, os outros não entendem o que a gente subentende, é difícil achar uma faxineira, que dirá o médico que vai fazer seu parto!
Meu marido é daqui, mas obviamente não conhecia um obstetra. Recorremos às mulheres da família e às amigas dele, mas não foi nada nada fácil encontrar alguém que jogasse limpo conosco - um bom ginecologista (e se a mulher é saudável, é difícil o cara não ser suficiente) não necessariamente é obstetra, muito menos um bom obstetra.
Um maluco me disse que o parto normal é o "parto da roça", que "sua o bigode", e que toda a campanha recente pelo parto normal era motivada por um interesse do governo, nem lembro no quê. Embora ele dissesse que respeitaria a minha opção, ficou óbvio que inventar uma desculpa fazer uma cesárea.
Uma outra médica era incrivelmente íntima. Na primeira consulta ia te beijando e abraçando, queria saber como eu e meu marido tínhamos nos conhecido, falou feito uma louca mais de uma hora, sobre tudo, menos sobre o que eu queria saber. Disse afinal que o importante era confiar no médico, que ele decidiria o que fosse melhor, e que eu tinha só que "curtir o pré-natal".
Aliás, mesmo antes da mudança, em todas as consultas relacionadas a problemas da gestação encontrei a mesma atitude: médicos e enfermeiras esperavam sempre que eu não considerasse nenhum sofrimento grande demais (o cara que tratou minha infecção urinária, por exemplo, me disse que isso não era nem doença, e que ser mãe é isso, "padecer no paraíso") e estivesse sempre encantada (a enfermeira do primeiro ultrassom ficou visivelmente chocada porque eu não chorei, mais ainda quando eu disse que era só com muita imaginação que a gente via um rosto naquelas manchas).
Cada fiasco desse me deixava apreensiva, desanimada, em dúvida sobre a possibilidade de encontrar alguém com quem eu me sentisse segura.
Finalmente encontramos um médico que disse, ok, vai ser normal se as coisas correrem bem, nós vamos conversando ao longo do processo. Mais importante, ele expressou as motivações que o fariam decidir pela cesárea e o que acontecia com o corpo no período anterior ao parto. As consultas do fim da gestação confirmaram minha primeira impressão, era um cara que jogava pela segurança, ou seja, que faria uma cesárea caso houvesse indícios de um parto normal difícil, não um entusiasta do normal, mas que falava honestamente e se dirigia a mim como um ser humano racional e dono do próprio corpo.
No fim, a gravidez chegou às 40 semanas sem que o colo do meu útero desse sinal de mudança e sem que o bebê encaixasse na pelve. O médico me explicou que a partir daí os bebês começam a "gastar suas reservas" e que, embora o parto normal vá eventualmente ocorrer, os riscos para a criança crescem. Isso, somado ao fato de que o bebê era beeem grande, fez com que ele indicasse uma cesárea. E eu concordei. Depois de tudo, teria sido terrível passar pela dor e pelo desconforto do pós-parto sem ter certeza da honestidade do médico, e da relação com ele.
Pode ser que um outro médico, um entusiasta, insistisse no parto normal. Esperasse. Colocasse o limite mais para frente. Mas o que eu entendi é: primeiro, que existe uma cultura médica, que varia entre países e mesmo entre estados, que a medicina é uma ciência ou uma técnica, mas que seu exercício privilegia certas abordagens com base numa "cultura" que é aprendida na prática e no convívio entre os praticantes. E eu não me relacionaria nem seria tratada pela técnica, mas por um médico, de acordo com sua cultura. E finalmente que, por essas duas razões, era preciso respeitar os limites do médico também, do que ele se sentisse seguro para fazer, porque forçá-lo (se isso fosse possível) a fazer algo que ele não soubesse fazer direito e não se sentisse seguro para fazer seria arriscado.
Isso não significa que eu tivesse que aceitar qualquer médico porque ele afinal é só portador de uma certa cultura. Pensando bem, a gente sempre vai navegando nessas culturas, escolhendo vertentes de acordo com nossas convicções, e a despeito de sermos leigos. Tendo encontrado alguém com que eu me sentia segura e respeitada, preferia aceitar os seus limites a continuar buscando - porque isso estava me exaurindo. A gravidez ia já pro final e eu sentia, mais que ponderava, que precisava parar de procurar e estabelecer a relação com o médico.
Assim, eu aceitei a cesárea. Tenho uma amiga que diz que se houver vida após a morte os obstetras que acham a cesárea maravilhosa viverão a eternidade em pós-parto de cesárea. Desse sentimento - uma ironia assim tem de ser a revanche para uma grande mágoa - acho que escapei. Apesar do pós-parto estar sendo realmente difícil, são só dor física e desconfortos, não a suspeita de estar sofrendo pela leviandade de outra pessoa.
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